quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

TENTATIVAS DE EMANCIPAÇÃO


Introdução

No século XVIII, o Antigo Regime e, dentro dele, o Sistema Colonial Mercantilista, passaram a ser abalados pelas novas forças de transformação que varreram o mundo atlântico, na Europa e nas colônias da Europa, no centro do sistema e na periferia. Estruturalmente, o capitalismo comercial transitava para o capitalismo industrial e a principal fonte de acumulação de capital passava da circulação (comércio) para a transformação (indústria).
A Inglaterra saiu na frente, consolidando sua burguesia industrial que questionava a continuidade de mercados enclausurados pelo regime de monopólios comerciais. A produção fabril, em larga escala, precisava de mercados abertos e amplos, o que era impossível com a manutenção do pacto colonial.
Nos quadros da crítica ao Antigo Regime, o Iluminismo condenava ideologicamente o  passado. Fundado na razão burguesa, apoiado no cientificismo do século XVII, os pensadores iluministas propunham o liberalismo, sintetizado política e socialmente por “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, e pelo laissez-faire, a liberdade econômica. Ao peso da Revolução Industrial inglesa somou-se o peso da Revolução Francesa de 1789. O Antigo Regime desmoronou. Uma nova realidade pulsava na Europa e chegava irreversivelmente às suas colônias. O Atlântico não conseguiu barrar as novas ideologias que passaram a alimentar os movimentos rebeldes contra a própria dominação europeia.
Na América colonial, as treze colônias inglesas levantaram-se contra a Inglaterra e conseguiram romper os laços que as prendiam ao sistema dominador. A vitória dos colonos norte-americanos animou não só súditos de outras metrópoles, mas a própria burguesia francesa a se levantar contra o poder instituído.

No caso do Brasil colonial, pela ausência de uma burguesia, a liderança dos movimentos rebeldes era exercida, frequentemente - não exclusivamente - pela elite agrária, dona de terras e de escravos. Os ideais iluministas aqui chegados foram adaptados aos interesses dessa elite. A sonhada emancipação política, rompendo com a metrópole, não podia implicar a mudança das relações internas de dominação.
 Um exemplo disso foi a Inconfidência Mineira, durante a qual, em suas reuniões secretas, muitos inconfidentes eram contra a abolição da escravatura, por serem eles da elite. Diferente disso, a Conjuração Baiana, ou “dos Alfaiates”, tinha um caráter mais popular. A Inconfidência Mineira não foi diretamente influenciada pela Revolução Francesa, pois aquela ocorreu em abril e esta em julho de 1789. Contudo, o cenário era o mesmo, o da crítica ao Antigo Regime.
 Já a Conjuração do Rio de Janeiro, de 1794, a Conjuração Baiana, de 1798, a Conspiração dos Suassunas em Pernambuco, de 1801e a Revolução Pernambucana, de 1817, foram decisivamente influenciadas pela Revolução Francesa, de 1789.

Inconfidência Mineira, 1789

(Para melhor entender as revoltas em Minas Gerais, leia antes, neste blog, MINERAÇÃO NO BRASIL COLONIAL, clicando em PESQUISAR NESTE BLOG.)

Enquanto ocorria a decadência da mineração, pelo esgotamento das jazidas, Portugal criava novos impostos, tornando mais rígido o controle fiscal. Para os colonos, tratava-se de um abuso do fiscalismo metropolitano. Além disso, e cada vez mais, os colonos entraram em contato com as novas idéias vindas da Europa, pregando liberdade, fraternidade, igualdade, liberalismo econômico, democracia, república.
Os participantes da revolta eram, na maioria, letrados: José Joaquim Maia, estudante brasileiro na Europa que tentou apoio dos Estados Unidos ao entrevistar-se com Thomas Jefferson, em Paris; os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio de Alvarenga Peixoto e Thomas Antônio Gonzaga; os doutores José Álvares Maciel, Domingos Vidal Barbosa e Salvador Amaral Gurgel; os padres Manuel Rodrigues da Costa, José Oliveira Rolim e Carlos de Toledo Piza e os militares Francisco de Paula Freire de Andrade e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Os planos dos inconfidentes revelam que estavam mais preocupados com o que fazer após a revolta e pouca preocupação em como fazer a revolta. Ou seja, poucos planos militares e muitos planos a serem realizados se a revolta sair vitoriosa. Entre tais planos, destacam-se: adoção de uma República para Minas Gerais (ou para todo o Brasil); transferência da capital para São João d’El Rei; construção de uma universidade em Vila Rica; industrialização; adoção de uma bandeira onde estaria estampado o dístico Libertas Quae Sera Tamem (Liberdade, ainda que tardia). 
Nem todos os inconfidentes concordaram com todos os planos, principalmente a respeito da abolição da escravatura. Os conjurados divergiam entre si e apresentaram grande idealismo e pouco preparo militar. O pretexto para o início da revolta seria a cobrança da derrama. Naquele momento, a dívida acumulada chegava a 596 arrobas de ouro, ou seja, quase 9 toneladas do precioso metal.
Na prática, o movimento não chegou a acontecer, pois foi delatado por Joaquim Silvério dos Reis, coronel português endividado, e pelos tenentes-coronéis Brito Malheiros e Correia Pamplona. A devassa foi posta em prática pelo Visconde de Barbacena, em nome da rainha de Portugal, D. Maria I.
O único condenado à morte, por enforcamento, foi Tiradentes, alferes do exército.

Sentença contra Tiradentes: “Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi do Regimento pago da Capitania de Minas, a que (..) seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes (...) onde o réu teve as suas infames práticas (...) até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos (...) e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; [...]

Nota: a imagem de Tiradentes foi resgatada e recriada após a proclamação da República, em 1889. Os republicanos buscaram um ícone que não fosse monarquista. Em muitas obras pictóricas, os autores lembraram a imagem de Jesus Cristo no retratado.

Conjuração Baiana ou dos Alfaiates, 1798
 (Também conhecida como Revolução dos Búzios)

O Nordeste já foi, na época do açúcar, o pólo econômico do Brasil. Salvador, na Bahia, era a capital. A capital política, que só devia obediência à metrópole, localizava-se, portanto, na região mais rica da colônia.
A crise da economia açucareira, (provocada pela produção nas Antilhas), o deslocamento do eixo econômico e demográfico para o Centro-Sul (graças à mineração), tornou-se mais aguda quando, em 1763, a capital do Brasil foi transportada para o Rio de Janeiro, dentro das reformas executadas por Pombal.
A decadência da Bahia, especialmente de Salvador, desembocou na pobreza e na miséria. Enquanto isso, aumentava o fiscalismo e a opressão metropolitanas. Contra tal situação, dois pequenos movimentos rebeldes ocorreram e foram rápida e violentamente abafados. Mas suas causas continuaram e explicam parcialmente a Conjuração dos Alfaiates.
O movimento foi conduzido pelos maçons da loja Cavaleiros da Luz, impregnados pelos ideais iluministas vindos da Europa. Adquiriu um caráter popular e social. Entre seus participantes destacaram-se os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira, os soldados e mulatos Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens,  o médico Dr. Cipriano Barata, o tenente Hermógenes Francisco D’Aguiar, o maçon Francisco Barreto e o padre Agostinho Gomes.

A Revolução Francesa serviu de modelo para as suas realizações. Pregaram a República, a liberdade, a igualdade, a liberdade de comércio externo, a melhoria dos soldos dos militares, a abolição dos escravos e, com ela, a abolição dos preconceitos de cor.
Um dos cartazes produzidos e divulgados pelos rebeldes assim dizia: “Animai-vos, povo baiense, que está para chegar o tempo feliz de nossa liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais”.

Após denúncia, os conjurados foram presos. No processo, os intelectuais foram absolvidos ou degredados. Cinco líderes populares, todos negros,  foram condenados à forca. Um dos condenados havia fugido e jamais foi encontrado. Os corpos dos quatro executados foram esquartejados e suas partes espalhadas por lugares de maior trânsito de pessoas. 

O Movimento Negro considera heróis os quatro executados. Para alguns pesquisadores, como Afonso Ruy, em seu livro A Primeira Revolução Social do Brasil, a Conjuração foi mesmo, a primeira de caráter amplamente social. Se comparada à Inconfidência Mineira, não há a menor dúvida.




Conspiração dos Suassunas e Revolução Pernambucana de 1817, ver neste blog, clicando PERNAMBUCO REBELDE, em Pesquisar.


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