domingo, 1 de maio de 2011

HAITI: OS LIMITES DO LIBERALISMO, O JACOBINISMO E O DARWINISMO SOCIAL




  • O iluminismo foi a ideologia das Revoluções Burguesas, das Revoluções Atlânticas, que marcaram a transição do capitalismo comercial mercantilista para o capitalismo industrial liberal. Na Europa, centro do sistema, a classe burguesa estava suficientemente forte para liderar as forças de transformação e superação do Antigo Regime. Assim foi na Revolução Puritana, na Revolução Gloriosa, na Revolução Industrial, na Revolução Francesa e outras até o século XIX. Assim também foi na Independência dos Estados Unidos.

  • Fundamentado na Razão burguesa, o liberalismo tinha seus limites. Derrubar o Antigo Regime, sim; atender às reivindicações das massas, não. Assim foi com os “Niveladores” ingleses e com os “Iguais” de Graco Babeuf na França, apenas para citar dois exemplos. Assim também foi com os escravos dos Estados do Sul, nos Estados Unidos. Para estes, liberté, freedon, não.

  • A burguesia não permitiu o avanço revolucionário, esmagou a revolução dentro da “sua” revolução e limitou as mudanças às suas próprias conveniências de classe. Na América Latina, naqueles tempos de rebeliões, não havia uma classe burguesa, como havia na Europa. A liderança do processo ficou nas mãos da elite agrária, da aristocracia rural, enfim, dos grandes proprietários de terras e de escravos. Para essa liderança, a “revolução” significava romper com a metrópole, mas preservar as estruturas internas que a beneficiavam, ou seja, manter a plantation e, com ela, a escravidão. O liberalismo tinha seus limites e as novas nações independentes preservaram o passado colonial interno, ao sabor dos interesses dos caudilhos e coronéis.

  • O maior avanço ocorreu na Convenção Jacobina, liderada pela pequena e média burguesia. Foi a fase mais popular e mais radical da Revolução Francesa, marcada pela República, pelo congelamento dos preços, pela execução do rei na guilhotina, pelo Terror e pelo fim da escravidão nas colônias. Tais avanços tiveram curta duração. A alta burguesia retomou o poder e a reação burguesa anulou grande parte da obra jacobina, inclusive o fim da escravidão. Contudo, o passado e o futuro ameaçavam o presente da alta burguesia reacionária. O passado era representado pelas revoltas da nobreza, desejosa da volta do Antigo Regime, apoiada por monarcas absolutistas de outras nações. O futuro era consubstanciado nas revoltas populares dos sans-culottes e dos camponeses, numa reedição das jacqueries do século XIV.

  • Assim, ameaçada por forças que ela não soube derrotar, a alta burguesia francesa preferiu ir para os bastidores do poder, colocando Napoleão Bonaparte na frente do palco político. Nascia, com o golpe de 18 do brumário, a ditadura militar burguesa, o bonapartismo. Para as revoltas internas, a paz da baioneta.
    Contraditoriamente, mas dentro da lógica da alta burguesia francesa, Napoleão espalhou o liberalismo pelo continente europeu, derrubando governos absolutistas e, ao mesmo tempo, enviou suas forças repressoras contra o liberalismo jacobino de negros e mulatos do Haiti. Liberté, Fraternité, Egalité, sim; exceto para os “homens de cor”.

  • Nos Estados Unidos da América, Tomas Jefferson orgulhava-se da liberdade conquistada em 1776, contra a poderosa metrópole Inglaterra. Mas recusou-se a abolir a escravidão e a reconhecer a independência do Haiti. Freedon, sim; exceto para os “homens de cor” de seu próprio país e do Haiti.

  • No coração do mundo católico, o papado de Roma discursa sobre a igualdade dos homens, fraternidade e justiça social. Estendeu seu discurso aos nascentes países, reconhecendo a independência das novas nações latino-americanas, do Brasil e da América Espanhola, todos católicos. Mas não reconheceu a independência do Haiti. Independência de novas nações católicas, sim; dos católicos negros e mulatos do Haiti, não.

  • E, mesmo na América Latina, Simon Bolívar, um dos líderes maiores da luta pela independência, pela liberdade, um dos “Libertadores da América”, não convidou o governo do Haiti para o Congresso do Panamá, em 1826, onde foi discutida a integração dos novos países. Pan-americanismo, sim, exceto para uma nação de “homens de cor”, governada por ex escravos, mas tão latino-americana quanto as outras.

  • Entre 1791 e 1804, ocorreu a Revolução Haitiana, marco da luta negra pela liberdade e pelo reconhecimento dos valores africanos. Toussaint Louverture, o Espártaco Negro, liderou seu
    povo no início do movimento libertário. Caiu nas mãos de Charles Lecrerc, comandante e cunhado de Napoleão Bonaparte. Morreu em um cárcere francês.

  • Os jacobinos negros passaram para o comando de Jean Jacques Dessalines. As tropas francesas foram derrotadas militarmente e pela febre amarela, que ceifou, inclusive, o próprio Lecrerc. Em 1804, o Haiti estava independente e livre da escravidão. A “Terra Montanhosa”, na língua indígena do local, tornava-se o primeiro país negro livre do mundo, a primeira nação latino-americana livre do domínio metropolitano.
    Nascia também o fantasma da haitianização, assombrando as elites escravocratas da América e a alta burguesia europeia e norte-americana. A França de Napoleão fora derrotada, muitos anos antes da derrota napoleônica na campanha na Rússia e da derrota em Waterloo.

  • Por necessidade de reconhecimento internacional, o governo haitiano aceitou a imposição francesa de uma indenização pesadíssima de 150 milhões de francos suíços, depois reduzida. Eram os tempos do Congresso de Viena e da Santa Aliança. Era também o tempo de James Monroe, nos Estados Unidos da América. Mas a Doutrina Monroe não reconheceu o Haiti. América para os americanos, sim, exceto para os “americanos de cor”, de seu próprio país e do Haiti. Os Estados Unidos, desde Jefferson, proibiram o comércio com o Haiti, seguindo os passos da França e da Espanha.

  • Somente durante a Guerra de Secessão, com Lincoln na presidência, os Estados Unidos acabaram com a escravidão interna e reconhecerem o Haiti. A Igreja Católica só o fez em 1864, e a Colômbia em 1870. O mundo estava entrando na segunda metade do século XIX e adicionava-se ao temor do haitianismo o darwinismo social, do qual o próprio Darwin não tem culpa nenhuma. Sua teoria foi corrompida pelos interesses imperialistas e neocolonialistas da alta burguesia. Se, por um lado, o mundo ganhava o tripé científico composto por Marx, Darwin e Freud, ganhava também a falácia da “missão civilizadora do homem branco”.

  • Para a liberdade do Haiti e de outros povos explorados da América Latina, era o tempo dos mariners norte-americanos, armados com seu big stick. Para os povos explorados da África e da Ásia, era o tempo da “superioridade natural, de origem divina, dos homens brancos”. 

  • Não só de terremotos alimenta-se a tristeza haitiana.

Um comentário:

  1. Há neste artigo elementos muito superficiais. Por exemplo não menciona nenhum detalhe da destruição da república do Haiti, se é que algum dia houve uma república, pois se essa república dependia exclusivamente da vida de Toussaint Louverture, então era uma republica fadada a ser destruída pelos colonialistas. Há outros exemplos, mas não vale a pena entrar em mais detalhes. É melhor que o artigo seja reescrito com mais detalhes.

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