quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

ENVELHECER COM MEL

Há muito tempo sou leitor apaixonado de Affonso Romano de Sant'Anna. Seus textos e sua experiência de vida são inspiradores. Procurem conhecer sua obra e seu blog.
Um de seus textos bateu em mim com força: "ENVELHECER COM MEL OU COM FEL?" Então, em estado de encantamento, coloquei minha caneta preguiçosa para trabalhar e nasceu este poemaplágio. Se ficou bom, a culpa é do mestre inspirador. Se não, a culpa é minha, arremedo de poeta.

ENVELHECER COM MEL

Aquela velhice-destino
Não quero, não.
Deixar os rins, dentes e intestinos
Nas mesas cirúrgicas
De mutiladora dispersão.
Quero envelhecer com mel.

Não quero ser do mundo
Um crítico azedo,
Não resmungar pelos cantos,
Estorvo mórbido:
Ao enxugar prantos,
Ser macio e sólido.
Se impossível ser apolínico,
Tesão messalínico,
Não ser caso clínico
E, sim, paladínico.
Quero envelhecer com mel.

Que a velhice não me venha
Aos trancos,
Solavancos,
Aos barrancos.
Que não haja pânico,
Apenas planar ao vento,
Sem atrito,
Sem conflito,
Sem grito.
Envelhecer num sussurro cênico.
Quero envelhecer com mel.

Quero envelhecer com mel,
Ser apenas vinho
Na garrafa da Vida fermentado,
Na adega do Prazer estocado
E, quando velho, desejado.
Ou,
Velhice da faca afiada
-corte consumido-
Afiadíssimo, no encaixe da mão cozinheira.
Assim, a velhice será apenas o desgaste,
Ir-me desgastando
Gostando do desgaste,
Engaste gasto ao gosto do vento.

Quero envelhecer com mel
E morrer será apenas evaporar,
Ao vento me encaixando,
Sem gemido,
Sem resmungo,
Sem dor,
Sem rima.

Quero envelhecer com mel,
Deixar por herança alma de arco-íris,
Sol sem queixa do entardecer,
Lua sem ódio do amanhecer.

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